PSOL e PT pedem que MP, Conpresp e Condephaat multem e paralisem obra de churrascaria no Parque da Água Branca
06/05/2025
(Foto: Reprodução) Instalação de restaurante no antigo estábulo da PM dentro do parque acontece sem autorização dos órgãos de preservação. Arsesp diz que 'já instaurou processo autônomo e aguarda as manifestações para avaliar eventual descumprimento contratual'. Empresa e concessionária negam irregularidades. Conselheira denuncia obras ilegais de churrascaria dentro do Parque da Água Branca
Deputados estaduais e vereadores do PSOL e do PT protocolaram na segunda-feira (5) pedidos de paralisação das obras da churrascaria Fazenda Churrascada no Parque da Água Branca, na Zona Oeste da capital paulista.
As solicitações foram encaminhadas ao Ministério Público de São Paulo, ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) e ao Condephaat, responsável pela preservação do patrimônio histórico estadual.
Conforme o g1 revelou, o restaurante Fazenda Churrascada começou a ser erguido dentro do antigo estábulo da Polícia Militar do parque com a aprovação da concessionária Reserva Parques, que administra o local desde 2022, mas sem a autorização dos órgãos de preservação histórica da cidade e do estado.
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Inaugurado em 1929, o Parque da Água Branca é tombado pelo Condephaat desde 1996 e pelo Conpresp desde 2004. Qualquer obra em suas estruturas precisa de autorização prévia desses conselhos.
Porém, no pedido de uso do espaço feito pela Fazenda Churrascada ao Conpresp, não existe nenhuma menção a obras dentro ou fora do estábulo, apenas montagem e desmontagem de equipamentos e mobiliário de restaurante, incluindo uma tenda do lado de fora. Também não houve nenhuma autorização para esse tipo de alteração do espaço à concessionária.
Mesmo assim, uma conselheira do parque conseguiu entrar no espaço e constatou diversas modificações (veja vídeo acima).
As ações
Em uma das ações, os deputados e vereadores do PSOL pediram que o Ministério Público tome medidas urgentes para apurar uma eventual quebra contratual por parte da Reserva Parques, além do embargo das obras, multa e eventual responsabilização cível e criminal dos envolvidos no caso.
“A adoção de medidas urgentes é para garantir a preservação dos bens tombados da cidade e impedir novas ações ilegais que comprometam o patrimônio histórico e cultural de São Paulo", disseram os deputados Carlos Giannazi, Luciene Cavalcante e o vereador Celso Giannazi, todos do PSOL.
"A remoção de elementos arquitetônicos protegidos configura um ato lesivo ao patrimônio histórico, de modo que as intervenções realizadas no Parque da Água Branca sem a devida autorização dos órgãos competentes violam o Decreto-Lei nº 25/1937, que regula a proteção aos bens tombados”, completaram.
Os três ingressaram com ações conjuntas em que também pedem que seja investigado o bloqueio de entrada de conselheiros do parque para fiscalizar a área em que a churrascaria está sendo montada.
“A intervenção não apenas compromete a integridade do patrimônio histórico, como também representa uma ação sem interesse público ou social legítimo. (...) É inadmissível, considerando que o parque é um bem público concedido à iniciativa privada, mas que continua sob domínio público – tal atitude configura possível descumprimento do contrato de concessão e afronta aos princípios da administração pública”, argumentam os parlamentares.
Obras realizadas na área da antiga área de estábulos do Parque da Água Branca, na Zona Oeste, sem autorização do Conpresp.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues
Outra ação, movida pelo deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL), diz que a churrascaria é “motivada pelo interesse comercial de expansão de uma rede de restaurantes e ignora a proteção jurídica do patrimônio cultural e desconsidera a importância histórica e social do tombamento”.
O deputado também questiona a falta de laudos ambientais que garantam a proteção de árvores, aves e animais silvestres que vivem no parque, uma vez que a emissão de fumaça prejudica a fauna e a flora do espaço.
Cortez pediu que o MP determine “a restauração integral do bem tombado ao estado original, em caso de confirmação dos danos”, com a finalidade de “assegurar a efetiva proteção do patrimônio cultural e a reparação dos danos já causados”.
Os deputados Luciene Cavancante, Carlos Giannazi e Guilherme Cortez (PSOL), além dos vereadores Celso Giannazi (PSOL) e Nabil Bonduki (PT): defesa do Parque da Água Branca.
Montagem/g1/Reprodução/Rede Câmara
O vereador Nabil Bonduki (PT) também ingressou com uma representação na Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento e no Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) para que mandem fiscalizar as obras irregulares no Parque da Água Branca.
O petista também pediu para os dois órgãos verificarem se o evento da CasaCor - que deve acontecer no parque entre 27 de maio e 3 de agosto – está seguindo as diretrizes de restauração dos edifícios que vai ocupar.
“Um completo absurdo está acontecendo no Parque da Água Branca, um importante patrimônio histórico e arquitetônico na Zona Oeste de São Paulo. Além de desrespeitar o tombamento e os órgãos de proteção ao patrimônio, atenta contra os princípios de sustentabilidade e preservação ambiental, já que se trata de uma área de vegetação sensível”, escreveu Bonduki nas redes sociais.
O que diz a Arsesp
A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) disse ao g1 nesta segunda (5) que, após conhecimento da denúncia por meio do Poder Concedente, realizou, em 29 de abril, uma fiscalização no Parque da Água Branca.
Em paralelo, a agência diz que oficiou a concessionária e os órgãos de proteção do patrimônio histórico para que prestassem esclarecimentos em caráter de urgência e que "já instaurou processo autônomo e aguarda as manifestações para avaliar eventual descumprimento contratual, passível de sanções cabíveis".
O g1 procurou as gestões do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para saber quais as ações que serão tomadas em razão das denúncias e aguarda retorno.
O que dizem os envolvidos
A Reserva Parques e a Fazenda Churrascada também foram contatadas, mas não se posicionaram até a última atualização desta reportagem. Em 2 de maio, a concessionária negou irregularidades e afirmou que as intervenções no antigo estábulo fazem parte do plano de manutenção aprovado pelo Conpresp. A empresa disse que a churrascaria é uma instalação temporária, prevista para durar seis meses, e reversível, sem obras permanentes.
“Desde a aprovação do Plano Geral de Manutenção e Conservação do Parque da Água Branca, no primeiro semestre de 2024, a concessionária vem realizando um amplo trabalho de manutenção das estruturas históricas, incluindo telhados, drenagem, redes hidráulicas, vias internas e edificações”, afirmou a empresa.
“Após a tempestade de janeiro de 2025, foram identificadas patologias agravadas no sistema de drenagem e na estrutura dos prédios, o que exigiu a realização de intervenções emergenciais para garantir a segurança e a preservação do patrimônio, sempre respeitando as diretrizes de conservação”, completou.
"É importante ressaltar que as intervenções de manutenção e conservação realizadas em diversas áreas do parque não se confundem com o pedido constante dos autos nº 6025.2025/0001093-7, que trata exclusivamente da solicitação para realização de evento, sem relação direta com as obras de manutenção conduzidas pela Concessionária. Informe já esclarecido, a Churrascada, representada pela FC COMÉRCIO DE ALIMENTOS E BEBIDAS S/A, assim como outros eventos temporários realizados no Parque da Água Branca, deve submeter seus pedidos de autorização aos órgãos competentes. É importante destacar que a solicitação de evento temporário se refere exclusivamente à realização de atividades no local, sem alteração estrutural da edificação", disse.
A Fazenda Churrascada, por sua vez, informou à época que está alinhada com a administração do parque e não comentou a continuidade da obra mesmo após a negativa do Conpresp.
Reforma sem aval
Obra de churrascaria está sendo feito sem autorização dos órgãos de proteção no Parque da Água Branca
O g1 esteve no local em 26 de abril, e funcionários do futuro restaurante afirmaram que a unidade deve funcionar por seis meses, em caráter temporário.
A parte interna do prédio está passando por obras, e o acesso do g1 ao espaço foi vetado. Entretanto, foi possível ver a presença de britadeiras, tijolos e cimento, além da instalação de churrasqueira, mesas e uma máquina de chopp.
O galpão ao lado, onde funcionava a feira de orgânicos, foi desativado para dar lugar a um playground que, segundo os funcionários, será destinado para os clientes da churrascaria. Os trabalhadores não souberam dizer se outros frequentadores do parque poderão usar o playground.
A irregularidade foi denunciada na 820ª Reunião Ordinária do Conpresp ocorrida na segunda-feira (28) pela conselheira Danielle Dias. Ela pediu ao Departamento de Proteção Histórica (DPH) a paralisação das obras e da instalação do evento até a apresentação da documentação necessária sobre as intervenções.
"Está havendo ilegalidade. O processo foi para o DPH, que emitiu um comunique-se para complementação do material. Mas até o momento isso não foi atendido", disse a conselheira na reunião.
Chegada de caminhão com churrasqueira para o restaurante que vai ficar dentro do prédio do Parque da Água Branca, que passa por obras do lado de fora da antiga cocheira.
Reprodução
Impacto na vizinhança
Além do impacto no patrimônio, moradores do entorno relatam transtornos, como barulho constante até altas horas da noite e entrada de caminhões. A Associação de Moradores de Perdizes afirmou que a comunidade não foi consultada sobre a instalação do restaurante.
“É uma intervenção feita sem consulta ao conselho gestor e sem maiores explicações à comunidade”, disse a associação.
O advogado Pedro Grzywacz Neto, morador vizinho ao parque, afirmou que a obra é “completamente irregular” e que a churrascaria usou o pedido de evento temporário para esconder uma reforma estrutural.
Denúncia da associação de bairro de Perdizes sobre as intervenções no Parque da Água Branca.
Reprodução/Instagram
Documento cita evento temporário
De acordo com os documentos públicos do processo, a Fazenda Churrascada deu entrada em janeiro no Conpresp para pedir autorização para realizar um evento temporário para 426 lugares, onde seriam instalados mesas e cadeiras e algumas tendas para a realização do evento “Hípica Churrascada”.
O memorial descritivo do pedido não fala em intervenção dentro ou fora do estábulo. Porém, uma vistoria do DPH feita em fevereiro identificou o uso de materiais típicos de obras estruturais, como cimento, tijolos e britadeiras. O relatório concluiu que o local não abriga apenas uma montagem provisória, mas sim uma reforma irregular. E recomendou que o Conpresp não desse autorização para a realização do evento.
A reforma, no entanto, continuou. A direção do DPH afirmou ser “quase impossível” instalar uma churrascaria no local sem obras.
Relatório de fiscalização do DHP aponta obras fora do escopo do pedido feito pela churrascaria que vai ocupar o Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução
Numa reunião do Conpresp de 24 de março, os conselheiros negaram a autorização para a realização do evento. Um representante da churrascaria e outra da concessionária participavam do encontro e afirmaram que era um equívoco do fiscal dizer que o material de construção do estábulo era para reforma do local.
Segundo eles, o espaço era apenas usado como depósito de materiais de construção para a reforma de outros prédios do parque que sofreram problemas com as chuvas de janeiro deste ano (veja vídeo abaixo).
Conpresp nega autorização para instalação de churrascaria dentro do Parque da Água Branca
A conselheira Regina Lima, do conselho consultivo do parque, afirmou, no entanto, que a empresa admitiu em uma reunião a intenção de manter o restaurante com eventos temporários sucessivos até a regularização definitiva da atividade.
Além disso, em 9 de abril, Lima disse que a Reserva Parques comunicou os quatro conselheiros da sociedade civil que formam o colegiado que haveria a instalação da churrascaria, mas sem apresentação de autorizações e estudos ambientais.
"Eles disseram na reunião que haveria um restaurante fixo, que seria instalado por meio de evento temporário. E que já havia todas as autorizações dos órgãos competentes. A intenção deles era ir renovando esses eventos temporários até conseguir regularizar o restaurante", contou.
"Questionei o motivo de não haver estudo de impacto ambiental e laudo de descaracterização do imóvel tombado, e eles afirmaram na reunião que não havia necessidade desses estudos para eventos temporários", ressalta.
Voto do Conpresp decidiu em final de março não dar autorização para que o evento da churrascaria aconteça no Parque da Água Branca até que novos documentos sejam apresentados.
Reprodução
Projeto mostra intervenções
A Fazenda Churrascada chegou a divulgar para a imprensa parte do projeto, que tinha previsão de abertura para março, o que não aconteceu.
Nele é possível ver que há intervenções no espaço, como mudança do piso original da parte de fora e criação de balcões que não existiam originalmente naquela área do Parque da Água Branca (veja foto abaixo).
Projeto da churrascaria dentro do Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução/Veja São Paulo
O que dizem os órgãos públicos
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado afirmou que, conforme estabelecido no contrato de concessão, “a concessionária tem a liberdade de fazer uso dos espaços e instalações do parque para desenvolver atividades relacionadas à gestão e exploração comercial, desde que respeitadas todas as leis vigentes, incluindo as normativas específicas para bens tombados”.
“Isso inclui a necessidade de obter aprovações junto aos órgãos competentes. A Secretaria e a Arsesp, como responsáveis pela fiscalização dos contratos de concessão, irão apurar os fatos relatados sobre possíveis irregularidades. Caso seja constatado descumprimento das autorizações ou do contrato de concessão, serão tomadas as medidas cabíveis”, disse a pasta.
O g1 também procurou a Prefeitura de São Paulo e a gestão Ricardo Nunes (MDB) reiterou que o "Parque da Água Branca é um bem tombado pelo CONPRESP e qualquer intervenção em seu interior depende de prévia autorização do colegiado".
"No caso do processo que trata do evento denominado “Hípica Churrascada”, foram solicitados esclarecimentos", afirmou.
Críticas à nova administração
A Associação de Moradores de Perdizes criticou a gestão do Parque da Água Branca, que passou à iniciativa privada há quase três anos. Segundo a entidade, o espaço perdeu o caráter público e vem sendo descaracterizado, com o fechamento de áreas tradicionais como o Aquário, o Museu Geológico e os cursos voltados para idosos, enquanto eventos como a Casa Cor e a instalação de uma churrascaria ganharam destaque.
A feira de produtos orgânicos, presente no parque desde 1991, foi retirada do galpão original sob justificativa de reforma. No entanto, o espaço reformado foi cedido à churrascaria. A conselheira Regina Lima afirma que os agricultores não foram reintegrados e critica a ausência de explicações.
Outra queixa é sobre os animais, que antes circulavam soltos e agora estão confinados em viveiros coletivos. Segundo os moradores, a medida foi justificada pela gripe aviária, mas as aves continuam presas mesmo após a ameaça ter passado.
Em março de 2024, o g1 já havia mostrado que, um ano e meio após a concessão, o parque apresentava brinquedos quebrados, prédios históricos em ruínas e banheiros em más condições. atualmente, embora o local esteja mais limpo e com brinquedos infantis reformados, os principais banheiros continuam em estado precário e vários prédios permanecem interditados com fitas de isolamento.
A Reserva Parques, responsável pela gestão, afirma que as obras seguem o cronograma previsto no Plano de Intervenções, com prazo até 2028 para conclusão. A empresa disse ainda que pretende antecipar reformas em alguns banheiros e que a feira orgânica será transferida para outro espaço no parque, ainda em projeto.
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística confirmou que a concessionária está dentro dos prazos estabelecidos em contrato.
Prédios sem manutenção no Parque da Água Branca e isolados com fitas e cones, quase três depois da concessão à iniciativa privada.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues
Situação dos banheiros principais do Parque da Água Branca, em registro feito no dia 26 de abril de 2025.
Rodrigo Rodrigues/g1
Feira de produtos orgânicos que funcionava desde 1991 dentro do Parque da Água Branca foi desalojada para dar lugar a um playground.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo/Rodrigo Rodrigues
Playground montado dentro do Parque da Água Branca pela Reserva Parques, no local onde era a feira de produtos orgânicos que funcionava desde 1991.
Rodrigo Rodrigues/g1